segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Texto de Paquito pro Terra Magazine


Quinta, 21 de outubro de 2010, 08h09 TERRA MAGAZINE
Toni Lopes, poeta do rock baiano
Paquito De Salvador (BA)

"Maluca
Lindamente louca
Me dá um beijo na boca
Me jogue uma pedra na nuca
Sai desse asilo
E vem me amar"


Lá se vão quase trinta anos, desde a primeira vez que ouvi estes versos, ao ser chamado para cantá-los, num festival universitário de música, por meu amigo Ataualba Meirelles que me deu, entre outras coisas, este nome, Paquito, que adotei de imediato.
Ataualba, ou, mais simplesmente, Zito, era o autor da música, mas o letrista era Toni Lopes, com uma pequena e substancial ajuda do seu irmão André Luiz. André, morto em 1983 num acidente de moto, era fã de Roberto Carlos, poeta, e programador visual da Código, revista de poesia editada pelo saudoso Erthos Albino de Souza, braço forte do concretismo na Bahia.
Tempos heróicos eram aqueles em que um amigo chamava a gente pra se apresentar num palco apenas um dia antes, a gente ia, fazia, acontecia, e era um barato. Talvez Marcelo Nova já tivesse fundado o Camisa de Vênus, fazendo jus a uma tradição baiana - que remonta a Raul Seixas, Caetano e, mais remotamente, Gregório de Matos - de sermos abusados e combativos. O que sei é que se começava a respirar novos ares roqueiros, graças aos punks e à new wave, inclusive na Bahia, onde ascendia também a nova música de carnaval, com um viés comercial que a turma do rock não possuía. Por isso, muito se brigava, se debatia, apesar de nem haver o termo axé-music.
Alguns anos mais tarde, fui reapresentado a Toni por Eduardo Luedy, meu parceiro, que chegou a produzir um disco dele, e me mostrou Cristo de Pedra, de Toni e Jorge Afonso.

Braços abertos
Eterno sorriso de quem espera
Olhos no nada
Bondade destilando ódio na primavera
A seus pés
Seres sem graça fazem uma prece
Calma da pedra
Que sabe não poder ter pressa


Depois do Corcovado, de Tom Jobim, é a música mais bonita que conheço, inspirada no Redentor carioca, além de profundamente cristã, no que o cristianismo tem de radical e questionador, levando o (des) crente, não à salvação, mas à perdição.

Meu coração é a cara de Cristo
Meu rosto, um pouco triste


Um pouco tristes, um tanto raivosos, cheios de vida e de morte, nunca falsos, são os versos de Toni. E ele é profundamente ligado a esta tradição de dilaceramento, libertário que assume as culpas e as dores, mas, sobretudo, original. Um poeta que escolheu, enfim, se expressar através do rock, arte do seu tempo, e diz não se levar muito a sério.

Tá certo que eu errei que te chamei de galinha
Mas, escuta meu bem, a culpa não é só minha


Outra parceria com Jorge, Ninfomaria, mais pop e auto-irônica, que conheci na voz de Moisés Santanna, no final da década de 80.
Moisés, assim como Ronei Jorge, Nancyta, Álvaro Lemos, Duda Luedy, Heyder, Ataualba, Dão, Arthur Ribeiro, Dois em Um - e este que vos escreve - entre outros, foram chamados por Toni para participar, tocando ou cantando, do CD Reverendo T e os discípulos descrentes, por serem seus parceiros, e também por fazerem parte do underground do rock baiano, um elo entre Marcelo Nova e Pitty, que são a ponta do iceberg de uma turma que, de alguma maneira, tocou a vida da cidade de Salvador, mais heterogêneos e diferenciados do que se poderia supor.
O disco ainda virá à luz em novembro, mas a sensação de pertencimento a uma parte, mesmo nublada e dispersa, da história da música baiana, foi forte, pelo menos para mim, ao estar no estúdio com Toni, Paulinho Oliveira, Duda Luedy e Heyder, os dois últimos, ex-companheiros da Flores do Mal, banda de rock da qual fiz parte até 1990.
Este texto poderia ser apenas nostálgico não fosse Toni uma grande figura. Ex-comerciante, ex-juiz de futebol, museólogo de formação, mas, sobretudo, um poeta meio louco e muito lúcido.

A rotina, os adultos
Reuniões, batizados
Casamentos, certificados
A loucura dos carimbos
O desespero com os preços
A troca de gentilezas
Telefones e endereços
A rotina dos adúlteros
Traições, motéis
Beijos, sonhos e anéis
A ternura, o pecado
O tempero dos fingidos
A hora bem marcada
Amor eterno aos traídos


Sobre o disco propriamente dito, Tony adotou uma formação incomum para o rock, influência de Lóki, disco de Arnaldo Batista: baixo e piano, a cargo de Vandex, e bateria - tocada pelo próprio Toni - em todas as faixas, com um ou outro instrumentista convidado, além dos intérpretes. No caso dos instrumentos acrescentados, algumas intervenções funcionam bem, outras não. Poderia, enfim, ter havido um capricho maior na finalização dos arranjos, uma enxugada aqui, outra ali, e uma mixagem mais resolvida.
Mas a voz do poeta está em dez faixas - iguais a outras dez com os intérpretes convidados, o que o torna um lançamento diferenciado - mais falando que cantando as palavras, mastigando-as, convencendo-nos da força de seus versos. E os versos, não custa repetir, são o melhor do reverendo T.
Que Deus, em sua infinita inexistência, o tenha.

Contato Toni Lopes: saorockdiscos@terra.com.br

Paquito é músico e produtor.
Fale com Paquito: anjo.paquito@terra.com.br