quarta-feira, 15 de junho de 2011

Baladas de um Pecador Arrependido – Irena C. Martins



Reverendo T e os Discípulos Descrentes anunciam que seus Pequenos Milagres de um Santo Barroco de Barro são para os crentes e descrentes. E é verdade.
Só conheço o Reverendo T de palco. Explico: é que apesar de constar na minha certidão de nascimento que nasci em Salvador, não vivi aqui para ter acompanhado a figura do Reverendo Tony Lopes, que está na cena musical baiana desde a década de 80, tendo integrado as bandas Dúvida Externa, Guerra Fria e Moisés Ramsés & Os Hebreus e tocado com a TaraCode (esta eu efetivamente conheci e curti).
O Reverendo é pra lá de multifacetado: de árbitro de futebol a museólogo e dono das lendárias lojas de cds Na Mosca e São Rock, que – infelizmente – não conheci. E com toda essa presença, inevitáveis as participações muito especiais de músicos e cantores executando as faixas que, primeiramente, são “incorporadas” pelo Reverendo T, para ganharem outros “cavalos”, como diria o léxico dos terreiros.
Dizem que a ideia do CD é o que um vestido preto é para uma mulher: seduzir pela simplicidade. Humilde e penitente tenho de discordar. O ideal de simplicidade se converteu – e não é de hoje – em algo barroco, rebuscado, quase para poucos. Ao passo em que o rococó se converteu no novo básico. Não deveria ser, mas essa é uma resenha, certo? Só posso contar com a minha opinião quando tenho os dedos num teclado que os dedos não reconhecem.
Disse que o conheço de palco apenas, não? Pois é, não sabia quem ele era, o que já tinha feito e que ele tinha sido o dono da Na Mosca e São Rock. Absolutamente ignorante em matéria de Reverendo T. E gostei muito do que vi no palco da Livraria Cultura (Deus dê vida longa às livrarias de Salvador), numa apresentação que foi seguida pelos meus punks favoritos da PDM (Pastel de Miolos).
Reverendo tem presença, tem humor, tem até uma certa doçura em desconcerto (percepções, percepções) e seu pocket show trouxe umas músicas muito bem colocadas por ele e a banda que, pelo que entendi, tinha pouco, quase nada, de tempo com ele. Esse pouco contato nada prejudicou a qualidade do show, que teve uma vibração rock ‘n roll bacana de ver num sábado à tarde, dentro de um shopping.
Ao ouvir o CD, tive a sensação de estar conhecendo o lado B daquela figura vestida com um paletó, chapéu e óculos pretos e, na verdade, dá a sensação de que, de perto e de longe, todos nós somos isso mesmo: um bom e velho vinil com lado A e lado B.
As músicas podem até ansiar a simplicidade, tanto nas letras quanto nas melodias e arranjos, mas o ser humano está se tornando cada dia mais esquisito e daí a coisa ter perdido a simplicidade.
Como um bom Reverendo, T. vai nos invocar a culpa (ah! Essa danada que faz tanto por tantos e oprime outros tantos). A gente pode até suportar essa dor, mas quem quer carregar a culpa? E aí, a gente nega a danada, se recusa a admitir a culpa. E o Reverendo T. diz que seu coração é a cara de Cristo. E quem pode com essa figura que tanto nos lembra do que somos (humano que era) e do quanto não somos capazes de ser (super-humanos?). Quem Te traiu, hoje medra.Lembro aqui que o CD é para crentes e descrentes...
Curiosamente, A Culpa (primeira faixa) vem seguida da Rotina entre 2 atos recheada de ternura do pecado, cantando com o enfado do cotidiano a rotina dos adúlteros e jurando amor eterno aos traídos.E segue com as quedas apaixonadas por malucas; namoros com suicídio (quando a outra opção é simplesmente te telefonar). Quem disse que simples é fácil?Quem pode explode & explode & explode & implode, certo?
E no meio de toda essa confusão passamos a almejar pela simplicidade dos animais e o lamento de os homens não agirem como os ahnimais (é ahnimais mesmo!), que pensam, passam, amam, voam e sonham. Porque muitos de nós têm perdido mesmo essa capacidade de viver o fluxo das coisas que parece tão simples ao nosso colegas de outras espécies e essa simples vontade parece nos conectar e, mais do que isso, partir para um outro reino, para ter a calma da pedra que sabe não poder ter pressa, como enuncia a sua Cristo de Pedra. Corremos tanto pra que, afinal de contas?
E é assim, sem correria, que você deve ver para crer nos PequenosMilagres de um Santo Barroco de Barro. É bem verdade que o CD pode, a despeito de sua beleza, soar um tanto quanto mais sombrio do que ele efetivamente é. Da mesma maneira que o divertido show do Reverendo T. e os Discípulos Descrentes não nos deixe contemplar a obscuridade de nossas fraquezas, tão presentes no show, quanto no CD.
Mas, creia, tenho a impressão que o nosso São Rock em questão, num púlpito ou numa mesa de bar, é capaz de nos “bater” com aquela honestidade e clareza cristalina acachapantes, que dizem ser típica das crianças, mas que, na verdade, só querem colocar as coisas como elas são. Ele não dará (nem tirará) um centavo de uma situação: se algo foi ruim, terá sido ruim, não horrível ou trágico. Se foi bom, terá sido bom e não um evento detonador de uma alegria eufórica e apoteótica. Seria simples, mas nosso devir catártico não entende.
As participações especiais, principalmente a do Dois em Um, Ronei Jorge, Moisés Santana e Miguel Cordeiro, abençoam o CD, afinal, o Reverendo é um porta-voz de seus escritos sagrados, e não um Padre Antonio Vieira, um virtuose das escrituras, mas como já disse nessa Verbo 21, não sou música, não sou crítica, tampouco jornalista, que mesmo não sendo nada disso opina com salvo conduto a respeito de quase tudo, senão, tudo. Então, é ver para crer.

texto retirado da revista literaria www.verbo21.com.br (ONDE VOCE PODERÁ BAIXAR O CD)